A Sombra dos Eucaliptos

A Sombra dos Eucaliptos Ameaça as Serras Calcárias de Portugal

Os eucaliptos roubam a água, escondem as paisagens e destroem os afloramentos. Os eucaliptos têm sido alvo de várias campanhas de defensores do ambiente, que põem em relevo a sua capacidade de exaustão dos aquíferos em virtude das grandes quantidades de água que consomem.

No entanto a florestação maciça (com eucaliptos ou outras espécies) tem dois outros impactos raramente considerados: a alteração da paisagem geomorfológica e a destruição dos afloramentos geológicos.

Plantação de eucaliptos no vale da Ribeira da Fonte Santa (Alcobaça). Notar a degradação da vertente em resultado da despedrega (Foto J. A. Crispim, 2001).

Ocultação da paisagem típica das regiões calcárias
O primeiro impacto só é importante em regiões onde a rocha não alterada é elemento fundamental da paisagem e introduz na morfologia elementos contrastantes cuja diferença de relevo, sendo pequena, é facilmente ocultada pelo revestimento arbóreo. Esta alteração pode ser definitivamente revertida se houver abandono deste tipo de ocupação do solo, ou parcialmente recuperada quando ocorre o corte da floresta ou no caso de ela ser devastada por um incêndio.

O crime da despedrega mecânica
A despedrega mecânica, em que são usados caterpillars que revolvem as vertentes para preparar a plantação, constitui o principal factor de destruição dos afloramentos geológicos. Este efeito é, à escala humana, irreversível. Com a destruição dos afloramentos aniquilam-se também as formas de dimensão submétrica ou mesmo subdecamétrica, já que associada a esta técnica usa-se também geralmente a plantação em socalcos.

A destruição dos afloramentos geológicos acarreta importante perda de informação científica e cultural. Desde logo, a realização da cartografia geológica é prejudicada, na medida em que deixa de haver acesso à posição rigorosa dos estratos, depois, perde-se o conhecimento sobre elementos estruturais, sobre as relações geométricas, sobre o conteúdo paleontológico e sobre as associações de fácies, quer na sua distribuição vertical quer lateral.

Conciliar a exploração florestal com o respeito do património geológico
Assim, se, enquanto espécies introduzidas em pequena escala nos maciços calcários e em condições de não degradação da paisagem e dos afloramentos, os eucaliptos podiam ser, sob este aspecto, tolerados, já quando os impactos referidos atrás se possam verificar, a floresta de eucaliptos (como de outras espécies, repita-se) é inaceitável.

A floresta de pinheiros de Montejunto e Candeeiros
Durante muitos anos os maciços calcários da Estremadura e Beira Litoral foram apenas plantados com pinheiros. Inicialmente as manchas de pinheiros eram ralas mas passaram depois a ocupar a quase totalidade das áreas onde os calcários se encontram cobertos com depósitos detríticos siliciosos (restos da evolução dos arenitos cretácicos que preenchem o paleocarso e o criptocarso dos calcários do Jurássico médio e superior). Em meados do século XX a florestação intensiva atingiu as serras de Montejunto e dos Candeeiros. Grandes áreas da Serra de Montejunto, a metade sul da Serra dos Candeeiros e parte da extremidade sudoeste do Planalto de Santo António foram “lavradas” para plantação de pinheiros. A mecanização não foi geral mas a destruição dos lapiás foi, ainda assim, importante. Os incêndios criminosos da década de 70/80 dizimaram a quase totalidade desta floresta de pinheiros e, mais tarde, os serviços florestais acabaram por abandonar a região. Nas serras ficaram troncos queimados a apodrecer e vertentes pedregosas onde a geologia se reconhece a custo.

O avanço dos eucaliptos
À expansão da indústria da celulose, exigindo cada vez maiores quantidades de matéria prima, corresponde o aumento da área florestada com espécies de crescimento rápido, das quais o eucalipto é, como se sabe, a eleita. A floresta de eucaliptos foi proliferando, não só por iniciativa directa das próprias produtoras de pasta de papel, mas também de forma indirecta, por intermédio de plantadores associados e por aquisição da produção individual. Neste contexto o eucalipto foi-se expandindo nomeadamente em áreas de solos pobres, carentes de água ou de difícil amanho, nas quais se incluem as regiões calcárias, onde a pouco e pouco foi substituindo o pinheiro. Actualmente uma grande área da Serra de Montejunto (entre o Cercal e Fontainhas) está coberta por floresta de eucaliptos, com ambos os impactos referidos atrás, e um cada vez maior número de áreas do Maciço Calcário Estremenho e do Maciço de Sicó - Alvaiázere são progressiva-mente ocupadas por manchas de eucaliptos.

Desenvolvimento sem trevas
O desenvolvimento florestal do país é necessário mas, como qualquer outra actividade humana, tem que ter em atenção não só os aspectos técnicos e económicos mas também as preocupações com a conservação da natureza. Quem observa os efeitos da eucaliptização da Serra de Montejunto compreende o risco que correm as outras serras calcárias. De facto, em áreas extensas ou em pequenas manchas que não tardarão em unir-se, áreas significativas do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros sofrem já os impactos da plantação de eucaliptos. É necessário que o Instituto da Conservação da Natureza tome em devida conta a existência destes impactos e actue de imediato, impondo práticas de fiscalização nas áreas que administra e divulgando por outras entidades normas de protecção da natureza que evitem os efeitos perniciosos das técnicas empregues actualmente.

Que podem fazer os espeleólogos?
Como visitantes assíduos das regiões calcárias, os espeleólogos podem ser vigilantes atentos de todos os atropelos que a natureza sofre nestas áreas. A tarefa de educação ambiental, com divulgação dos problemas resultantes da florestação maciça e desequilibrada, embora com frutos só a longo prazo, deve fazer parte dos propósitos das equipas no seu contacto com as populações locais, quer em tarefas de prospecção quer em idas a grutas específicas. Por outro lado, a detecção atempada de projectos de florestação a serem efectuados em áreas que pareçam pouco apropriadas ou usando técnicas destrutivas deve ser imediatamente comunicada às entidades regionais, nomeadamente câmaras municipais e juntas de freguesia e, sobretudo, aos organismos dependentes do Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território (ICN e áreas protegidas).

Floresta de eucaliptos na Serra de Montejunto (a norte de S. Salvador), escondendo uma morfologia de vales encaixados e vertentes com cornijas (Foto J. A. Crispim, 2000).

Pormenor do solo preparado para a plantação, com rebento de eucalipto (Foto J. A. Crispim, 1998)

Extenso troço da vertente sul da depressão de Pomar (Alte) escadeada em socalcos para plantação de laranjal. Notar que os afloramentos estão profundamente destruídos, sendo impossível reconhecer os estratos (Foto J. A. Crispim, 2000).

Pequeno serrado delimitando o fundo argiloso de uma dolina onde crescem alguns eucaliptos (Moita do Açor, Porto de Mós). Esta paisagem de dolinas ou uvalas com algumas dezenas de eucaliptos é ainda vulgar no Planalto de Santo António e, excluídas considerações relativas à distribuição da flora do maciço, pode-se considerar tolerável em termos de conservação do património geológico (Foto J. A. Crispim, 1974).

Mancha de pinheiros no sopé das Penhas do Relvio (Pragança) poupada dos incêndios. Como a altura da escarpa é razoável e a mancha de pinheiros não atinge a sua base, os impactos visuais nas penhas são aceitáveis. (Foto J. A. Crispim, 2000).

Vertente norte do Cabeço do Moinho do Céu (Serra de Montejunto) com troncos ardidos que são o que resta do pinhal consumido pelo fogo. Esta paisagem degradada permanece durante vários anos. (Foto J. A. Crispim, 2000).

Avanço da eucaliptização no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (Valverde). Aqui todos os impactos estão presentes: sobre a paisagem geomorfológica (extensas áreas cobertas) e sobre os afloramentos (despedrega mecânica que arrasou completamente as vertentes) (Foto J. A. Crispim, 1998).